
Na porta do Instituto Médico-Legal (IML), no Centro do Rio, nesta quinta-feira, parentes de mortos e entidades de direitos humanos questionam a forma como as ações foram conduzidas e pedem transparência na investigação dos casos. A megaoperação realizada na última terça-feira nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte, deixaram 121 mortos e mais de 10 feridos e somam 113 presos e 10 adolescentes apreendidos.
Moradores relatam que pessoas teriam tentado se render, mas foram mortas mesmo assim. No dia seguinte à ação, dezenas de corpos foram encontrados e retirados da área de mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia, e reunidos na Praça São Lucas, na Penha.
— Meu marido me ligou, falou que queria se render, mas que os policiais estavam irredutíveis — contou uma moradora do Complexo do Alemão. Segundo ela, o corpo do marido, estirado na praça junto a outros, estava em posição de rendição, com as mãos abertas e expressão de susto.
Entre os principais questionamentos das famílias estão a ausência de perícia adequada nos locais das mortes e a falta de transparência quanto a corpos que teriam sido esfaqueados, como mostram alguns vídeos.
Parentes afirmam que há corpos com sinais de facadas e mutilações, o que ainda não foi confirmado oficialmente pelas autoridades. Ainda sobre a operação, parentes alegam que nem todos os policiais estavam com as câmeras corporais ligadas.
Além da violência, moradores denunciam a demora na retirada dos corpos e a falta de assistência do poder público.
— Ficamos horas esperando o IML, sem água, sem ajuda. Nenhum bombeiro, ninguém veio socorrer — relatou uma mulher, parente de uma das vítimas.
Sobre os questionamentos das famílias, a Polícia Civil respondeu, em nota, que “tudo será apurado no decorrer das investigações, que estão em andamento”.
Mais corpos ainda não teriam sido recuperados. Mães e viúvas acusam falta de apoio nas buscas e contam que somente os moradores estariam varrendo a mata em busca de parentes.
Outro ponto levantado é o impacto material nas comunidades atingidas. Casas destruídas, medo constante e a ausência de apoio psicológico agravam o cenário de desespero.
— Quem vai pagar pelas casas destruídas, cheias de marcas de tiro e paredes quebradas? — questionou a tia de um homem morto durante a operação.
Para o governo estadual, a megaoperação foi considerada um sucesso. Segundo as autoridades, foram apreendidos 118 armas apreendidas — sendo 91 fuzis, 26 pistolas e um revólver e 14 artefatos explosivos. Cento e treze pessoas foram presas — 33 delas de outros estados — e foi feita a apreensão de 10 adolescentes. A ação, que mobilizou 2,5 mil policiais e promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ), tinha como objetivo cumprir mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho, incluindo 30 criminosos de fora do Rio que estavam escondidos nas comunidades.
Rede RAAVE atua em acolhimento a famílias
Desde o início da manhã desta quinta-feira, equipes da Rede de Atenção a Pessoas Atingidas pela Violência de Estado (RAAVE) têm prestado apoio jurídico e psicológico a familiares das vítimas em locais como o IML, o Hospital Estadual Getúlio Vargas e comunidades atingidas na Penha e no Complexo do Alemão.
A representante da RAAVE, Lorena Martins, explicou que a rede foi criada por mães de vítimas da violência de Estado, e hoje atua em parceria com o Ministério da Justiça, via UFRJ, oferecendo bolsas para mães pesquisadoras e apoio clínico e jurídico.
— A nossa função enquanto RAAVE é acolher familiares e mães de vítimas. Diante do que aconteceu no dia 28, a gente não podia se ausentar desses espaços, como o IML, onde todas as famílias precisam passar em algum momento — disse Lorena.
Ela contou que a rede montou uma força-tarefa com psicólogos e juristas para orientar as famílias sobre procedimentos legais e ajudar a localizar pessoas desaparecidas.
— Muitas mães chegam sem saber se o filho está preso, morto ou desaparecido. A gente conseguiu, junto com a Defensoria Pública, uma lista de presos da operação para orientar essas famílias — relatou.
A equipe jurídica da RAAVE não atua como defesa particular, mas oferece orientação e encaminhamento para a Defensoria Pública, fortalecendo o serviço público de assistência.
Portal Extra.Globo























